Em menos de duas semanas, as manifestações passaram de algumas centenas de pessoas, quase todas em São Paulo, a mais de um milhão em 400 cidades.
A pesquisa Datafolha realizada durante a manifestação de ontem em São Paulo dá importantes indicações. A motivação principal é a corrupção, a maioria tem preferência pelo juiz Joaquim Barbosa, seguido de Marina da Silva, para a Presidência da Republica, só 25% defende a tarifa zero para os transportes estando a maioria a favor de R$ 2 e a maior parte dos manifestantes não tem partido. Para alem da pesquisa, está evidente que o problema da tarifa foi mero detonador, a insatisfação com muitos aspectos da vida real generalizou-se. Há muito tempo existe o sentimento de sufoco e insegurança até de andar nas ruas, agravado por serviços públicos insuficientes ou indecentes. Claro que um Estado incapaz de garantir esses direitos básicos acaba virando alvo.
Esta realidade, num país onde se trabalha de 3 a 4 meses para pagar impostos, é o dado central da vida e derruba qualquer propaganda.
Outro detonador foram as despesas com os estádios, mas seria um erro boicotar a Copa do Mundo, no próximo ano. Dividiria o país, além de que sua existência dá mais visibilidade aos protestos. Protestos e futebol não são incompatíveis nem se prejudicam. Romário tem razão: a FIFA manda no Brasil e deve receber avisos sérios de que tal arrogância é inaceitável
No discurso de ontem a Presidente Dilma propôs um pacto de melhoria dos serviços públicos (transportes, saúde e educação) - com governadores e prefeitos de grandes Estados e cidades. Também afirmou que os investimentos para a Copa do Mundo terão retorno. Em entrevista à Folha de São Paulo o ex Presidente Fernando Henrique considera os protestos como diferentes por partirem de grupos sociais não organizados e duvida que os partidos políticos assimilem a mensagem das manifestações. Considerou o encontro Alckmin-Haddad representativo do atual esquema de poder.
O Movimento Passe Livre está desorientado. Primeiro disse que suspendia os apelos a manifestar mas depois corrigiu. Não sei se estão na duvida ou se há duas linhas, mas parece evidente que a questão dos transportes está cada vez mais inserida em outras reivindicações de dimensão maior. O espirito geral no país é de prosseguir os protestos, mas se não houver uma linha orientadora precisa e visível, em bases autônomas, é provável que alguns partidos e sindicatos assumam a liderança. Ou seja criado um vazio e os protestos voltem ao nível do desabafo individual.
Tenho constatado 4 tipos de comportamento nas manifestações: os não-violentos contrários a toda a classe política seriam cerca de 80%. Em torno de 10% seriam manifestantes também não-violentos mas seguidores ou militantes de alguns partidos ou personalidades. Os restantes 10% dividem-se entre ativistas da política do confronto com a policia e depredações e delinquentes que fazem a mesma coisa mas sem motivação política.
Se não há segurança em nada na rua, como poderia haver segurança em manifestações massivas? O modelo de crescimento em vigor tem beneficiários (as camadas altas, sejam tradicionais ou recentes) e tem prejudicados (os pobres de sempre e as camadas subalternas às vezes incluídas erradamente na "nova classe média" ). É ridículo apresentar como classe média famílias cuja renda mensal equivale + ou - a dois salários mínimos. Definindo por indicadores: é pobre neste país quem tem de recorrer a transportes públicos, ao SUS, a escola publica e não vive em habitação decente. Outro dado da realidade: continuamos com uma camada numerosa de muito pobres, na medida em que aquela linha dos dois US$ diários, mantida estupidamente pelo Banco Mundial, não serve para medir nada.
Dois elementos importantes para concluir: 1.a propaganda partidária é como certas operações financeiras malabaristas - de repente vira bolha e se desfaz.; 2.o Brasil conquistou um nível de liberdades democráticas que implicou muitos sacrifícios; não podem ser abandonadas e permitem um alto nível de pressão pacifica sobre o poder.
Hoje estão convocadas cerca de 30 manifs estando em primeiro plano o PEC 37 (perda de poderes de averiguação importantes pelo judiciário). E o Brasil joga com a Itália na Copa das Confederações. Ao contrario das declarações de Pelé, é possível acompanhar e apoiar ambos.
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