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A
eleição de Donald Trump com larga maioria do voto popular, coloca a céu aberto
algumas considerações sobre o mundo atual, ou seja, vai muito além dos Estados
Unidos e nem sequer são novidade, pois existem em forças semelhantes de todos
os continentes.
A
nível político-social, as desigualdades sociais continuam sendo forte motor de
mudança, mas não obrigatoriamente em sentido único. Várias vezes na História,
setores radicais das áreas conservadoras captaram o descontentamento, sempre
que as forças progressistas entraram na rotina e se contentaram com seu próprio
discurso, passando a fazer voo cego.
Um
mercado de trabalho em expansão – notável nos Estados Unidos – não é garantia
satisfatória se os salários estiveram desiquilibrados com relação ao custo de
vida ou se a média salarial estiver muito abaixo dos rendimentos mais altos.
Quando sucessivos governos reformistas não conseguem resolver esta equação, a
extrema direita aproveita para mobilizar com base em promessas de liderança
salvadora, decorrente de seus princípios anti-democráticos (ou de “democracia
limitada”). Claro que nesta base não vão resolver problema nenhum, mas criam um
clima propício à tomada do poder ou se tornarem muito influentes.
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Apesar de seus discursos discriminatórios, xenófobos e patriarcais, a extrema direita foi favorecida pela queda gradual do identitarismo, do qual se servem ferozmente em outros países.
Assim, Trump teve o apoio de 44% das mulheres votantes, 15% do eleitorado negro e pode ter obtido perto da metade do voto latino. Estes percentuais revelam minorias muito numerosas, sem as quais Trump não ganhava. O voto de pessoas negras em Trump já estava em 9% na eleição precedente, o voto latino nos republicanos há muito tinha saído da faixa cubano-americana da Florida e grande parte das mulheres vota de acordo com seu ambiente familiar, crenças e desafios relacionados.
Estes dados têm perfil de tendência. As mulheres não são uma camada social única, estão em várias. As populações negra e latina, também não são homogêneas desse ponto de vista e apresentam fortes desigualdades sobre níveis de vida. Esses fatores assumem mais importância que “origens” ou “heranças”, simplesmente porque as pessoas se determinam e relacionam através de seus status atuais, tanto nos que empobrecem como nos que enriquecem.
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Dois
beneficiários dessas determinantes e relações, os senadores republicanos Ted
Cruz e Marco Rubio têm duas explicações. Cruz vê a motivação principal na
mudança de geração e Rubio afirma estar em curso uma mudança da identidade
comunitária ou racial para a das ocupações, querendo significar ocupações profissionais.
Teria sido talvez mais preciso dizer segmento de renda e, mais preciso ainda,
ultrapassagem do identitarismo pelo status social.
Ao
benefício destas alterações, a extrema direita acrescenta um disfarce de sua
natureza autoritária ou totalitária, fazendo amalgama de todas as opiniões de
esquerda ou do centro reformista com seitas dedicada a mercantilização de
conceitos aberrantes e campanhas de difamação. É mais uma generalização falsa,
do arsenal das fake news, porém, aquelas seitas continuam a fornecer elementos
de propaganda à extrema direita.
Agora
vêm as políticas econômicas.
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Para
já a bolsa de Nova York reagiu favoravelmente ao resultado eleitoral e o dólar
reafirmou seu valor internacional. O ouro como valor refúgio recuou um pouco.
Os impostos vão baixar, sobretudo para os detentores de capital, portanto,
baixando também os programas sociais federais. Nestes termos, o crucial
problema do poder de compra só terá melhoria considerável se o investimento
privado inserir aumentos salariais e alargamento das condições de poupança das
famílias. De contrário, as desigualdades vão se manter ou aumentar e o
sentimento de frustração social se voltará contra Trump.
Se
o presidente eleito é contra intervencionismo estatal a nível de programas
sociais, ele é favorável a pressão governamental quanto às decisões do Banco
Central, a ponto de surgiram perguntas sobre a extensão da independência deste
nos próximos tempos. Aqui está uma possibilidade de choque com efeitos de
incerteza no comportamento dos grandes atores econômicos.
A
Inovação Tecnológica em geral, não vai mudar seu perfil, seja qual for o
locatário da Casa Branca. Tem dinâmica própria e todos têm interesse nela como
fator de hegemonia. Trump não vai fazer nada de diferente daquilo que se faz
desde Bill Clinton.
De
acordo com o programa eleitoral vencedor, é provável uma “chuva tarifária” no
curto prazo, reveladora de vontade protecionista. As trocas internacionais
serão atingidas, afetando muitas empresas norte-americanas também. Neste ponto,
é crucial saber qual a capacidade de resistência da China e da União Europeia,
mas também de países latino-americanos que têm os Estados Unidos como parceiros
de topo. Crucial ainda será o quadro militar mundial. Netanyahu, no curto
prazo, é vencedor junto com Trump, porém, eventual acordo de Washington com
Putin não vai parar a guerra na Ucrânia por si só, depende muito dos cálculos
de médio prazo da Europa e China.
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Quer
dizer, as medidas norte-americanas de guerra econômica contra a União Europeia
e a China, têm de levar em conta os efeitos colaterais sobre os pontos de
confronto armado.
Muito bom . Ajuda-nos a entender a complexidade da relação nos EUA.
ResponderExcluirImportante o destaque à questão da não homogeneidade quanto à população negra/Latina... muito a pensar ...