domingo, 22 de dezembro de 2024

Sobre " Despertemos" de Morin

 Edgar Morin é um dos pesquisadores que fazem parte de meu painel de autores de primeiro plano. Isto vem desde a década de 1960, quando ele era docente e eu discente da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, de Paris. Nunca assisti aulas dele mas acompanhava suas publicações e entrevistas ou  todo o tipo de comentários sobre ele.

Como não faço etarismo, nem desprezando nem fazendo paternalismo - e espero que não façam comigo - continuo levando Morin muito a sério. Seu " Les souvenirs viennent à ma rencontre" foi das minhas mais prazeirosas leituras dos últimos anos.

Faz tempo que procurava forma de obter o " Reveillons nous" que, afinal, a Laís encontrou ontem para mim, traduzido em português, aqui mesmo em Niterói na livraria " Leitura".


Três pontos capitais do livro: 

1. Coloca o confronto mundial de hoje ( sobretudo através do exemplo francês) na linha histórica " humanismo versus reacionarismo ". Com estas ou outras designações é mais um choque entre democracia e autoritarismo/totalitarismo. Morin usa muito a excelente expressão neoautoritarismo e, como todos nós, constata que a democracia atravessa uma crise mundial.

Foco central para mim e outros como eu : é desafio sem fronteiras, dificultado pelo nível lamentável de 95% dos políticos em qualquer continente, aproveitado por charlatões ou neo czaristas de vários países e níveis ( o chefe indicado por Trump para sua política fronteiriça foi " batizado" por ele como " Czar das fronteiras ").

Matéria existencial não negociável. Ou há democracia assente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que todos os sócios da ONU assinaram, ou há alguma das variantes de despotismo. 

2. O texto de Morin, antes de falar de crise dá definição da mesma. Simples, não é? Apesar disso muita gente fala de crise sem saber do que está falando. Acrescenta outros três dados simples mas essenciais: a crise pode ter saída sob várias formas, das mais obscurantistas às mais avançadas; a crise geral é novamente acompanhada por crise do pensamento; "a situação do homem no mundo modificou-se mais nos últimos 50 anos do que entre o século XVI e o início do XX".

3. Na sua crítica à noção de "transumanismo", Morin deixa receios sobre conquistas nas áreas da biologia e da inteligência artificial. 

Aí não concordo contigo Edgar.

Sim, a possibilidade de prolongamento da vida humana sem senilidade, é real.  Se pode ir até a imortalidade ( Morin firmemente não acredita), considero como uma daquelas hipóteses de trabalho impossíveis de trabalhar hoje. 

Quanto a inteligência artificial ( provavelmente nome provisório), ok, há razões para recear  que a sociedade humana vire Matrix "a grande máquina anônima que governa todos os indivíduos " e " o perigo não vem dos robôs mas do risco de que os humanos se tornem robôs"( frases do livro).

 Porém, I. A. é criação da inteligência humana e reforça esta. O risco Matriz só existe se a deixarmos nas mãos dos neo autoritários e neo czares. É assim com todas as técnicas: a eletricidade serve, ainda hoje, para nos dar luz e energia, mas também como instrumento de tortura nos regimes inimigos da democracia. 

A leitura destas reflexões de Edgar Morin permitiu-me ordenar três parcelas: com a esmagadora (no duplo sentido da palavra) maioria dos políticos do mundo, neste momento, vamos ter crise prolongada; abandonar ou fazer concessões sobre democracia e humanismo é render-se; a criatividade humana é base indispensável para vencer a crise, não pode ser monopólio do inimigo.

 O mundo tem avançado por despertares súbitos na sequência de sufocos ou de longos anos no trabalho em projetos e sonhos (estão ligados). Até lá vamos só sobrevivendo ou é possível fazer mais ? 

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