1.
Após
o fracasso das diplomacias dos Estados Unidos e da Arábia Saudita em obter mais
um curto e relativo cessar-fogo no Sudão, o Egito convocou encontro de vizinhos
do país em guerra. Da reunião saiu apenas mais um apelo à paz, daqueles que até
os beligerantes fazem. Ditaduras vizinhas com as da Eritreia ou Chade (para
falar só dessas) presentes na reunião, não estão nada interessadas numa
verdadeira solução do conflito, ou seja, retomar a transição democrática,
interrompida pelas duas forças armadas hoje em choque.
Ponto
comum à movimentação dos Estados Unidos, Arábia Saudita, Egito e seus
convidados é limitarem a busca de solução aos estados maiores dessas forças,
deixando de lado as forças civis que constituem um importante contra-poder
interno, com capacidade de pressão já demonstrada sobre os militares. É elementar
para quem conhece os perfis das atuais chefias de guerra no Sudão que elas só
vão parar se forem seriamente pressionadas.
A
esta limitação diplomática – talvez intencional – soma-se a ignorância da larga
maioria da media internacional, com raras exceções. Na media de língua
portuguesa se há exceções nem se notam. Aliás, não é a primeira vez que, pelo
silêncio, isolam agrupamentos ou iniciativas internas de vários países
assolados por senhores da guerra.
Sobre
o Mali, com razão destacam a presença da empresa Wagner e a retirada da Missão
da ONU, mas não têm espaço para referir os movimentos oposicionistas malianos e
os cerca de 75% de abstenção no recente referendo organizado pela junta
militar. O mesmo acontece sobre a República Centro-Africana: falam da Wagner e
da proposta de nova Constituição pelo governo, sem atribuir importância à
acusação pela oposição democrática de que essa Constituição abre caminho a
presidência vitalícia do país. No Leste da R.D. Congo os olhares diplomáticos e
mediáticos vão para os governos de Kinshasa e Kigali, apesar da constante e
arriscada atividade de movimentos sociais, como o Lucha, pelos direitos
humanos.
2.
Todos
os países africanos – incluindo os de língua portuguesa – têm movimentos sociais
indispensáveis às democratizações e à definição de estratégias de
desenvolvimento. Acordos de natureza vária, feitos no continente africano (ou
sobre ele), desde os anos 1970, falharam em virtude do monopólio atribuído a
formações políticas autoritárias ou totalitárias e discriminação contra
agrupamentos de todas as dimensões, espontâneos e até clandestinos com
frequência, reais porta-vozes da sociedade.
No
Sudão, os comités de resistência estão ativos a nível de bairro ou pequena
localidade, desde a queda de Omar El Bachir, ela própria resultante da ofensiva
de um sindicato clandestino. Hoje, alguns deles são denominados comités de
urgência, mantendo dispositivos de entre-ajuda no abastecimento, assistência
médica, rotas de fuga e acolhimento. Grande parte realiza patrulhas ou
observações sobre presenças militares nas proximidades e dispõem de canais de
informação atualizada.
3.
É
uma vasta rede que cobre quase todo o país. Alguma media mundial, com
dificuldade em colocar correspondentes no terreno tem, recentemente, citado
elementos dessas fontes de informação.
A
coordenação destes comités inclui influentes políticos civis e militantes mais
jovens, com experiência e coragem perante os riscos inerentes a uma situação
deste tipo. Marginalizá-los, tanto nas articulações diplomáticas como nos
noticiários, equivale a considerar que o crime compensa. Como já aconteceu em
outros cenários.
Jonuel Gonçalves/15.07.23
Comentários excelentes: concisos é claros, contribuindo para conhecermos focos de beligerância no continente africano
ResponderExcluirUm continente onde a vida se originou cuja população sustentou a exuberância europeia. É estarrecedor ver como a colonialidade segue contaminando o solo, engendrando o estigma de países atrasados em guerras/ destruições infinitas.
ResponderExcluirBom artigo!
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