sábado, 27 de setembro de 2014

Ultra Identitários

A insistência nos  chamados "valores identitários" - já sabemos - quase sempre  significa "raça" e racismo de forma camuflada. O ultra identitário é a exacerbação de tal discurso, é a sua completa racificação. A "raça" como determinante absoluto. Ora, pessoas de diversas raças podem ter uma mesma cultura e nacionalidade; pessoas da mesma raça estão divididas por várias classes sociais, têm ideologias diferentes e há opressores e oprimidos nas várias raças, ao longo da História e hoje.   Fazer da "raça" o elemento definidor das pessoas é equivalente ao fundamentalismo politico-religioso que define as opções politicas e de comportamento através da religião.
Os racistas tradicionais ficam muito felizes com estas aparições vocalizadas - uma camarada dos tempos da luta pela descolonização de Angola  dizia "salivadas" - por  teóricos/as do diferencialismo. Quer dizer, aqueles/as que buscam obsessivamente as pequenas coisas que nos diferenciam, enquanto nós afirmamos as muitas que nos fazem semelhantes, com os mesmos direitos  e obrigações.
Já tive a ocasião de escrever  como o exacerbar identitário nos leva ao paroxismo da violência (em "Relato de Guerra Extrema"- edição angolana pela Mayamba; edição brasileira pela Garamond)) mas agora   escrevo a propósito do V Seminário sobre Línguas Africanas (SIALA) organizado na UNEB, Salvador.
Nenhuma  crítica aos organizadores, a quem não cabem responsabilidades pelas afirmações no encontro.  e, apesar, de estar muito longe dessa disciplina, fiquei feliz de ter sido convidado e ter apresentado em ritmo de corrida de 100 metros o tema que me pediram (sobre as relações Brasil-Angola).
Foi nesse ritmo porque a mesa redonda respectiva começou com  muito atraso e  os 3 palestrantes (ver foto nesta postagem) tiveram  de se auto-limitar, não havendo sequer espaço para debate.

 Depois disso aproveitei para assistir a outras duas mesas redondas, ambas sobre literatura e foi nelas que choquei com a tal obsessão  das identidades e o consequente diferencialismo. Nesse quadro houve quem fizesse mesmo uma hierarquia  com base em detalhes (tirados de poesias) pretensamente criadores de identidades e  até de legitimidades. Detalhes ridículos se comparados com outros elementos e sacrifícios, baseados no combate com risco de  vida e no posicionamento frontal contra inimigos  poderosos.
Os ultra identitários/as nunca estiveram nesses combates. Como falamos de literatura, cito  Alexis Jenni: "na vida de vocês não há nada que tenha podido servir de forja". Nada! Só postura declaratória, destinada a criar isolamentos, guetos e  espaços restritos de exibição e carreira.
Fiz duas perguntas, com premissas opostas  ao diferencialismo e aos racismos (tal como Hamilton T. Ford também acho que são vários),  e recebi uma espiral de frases  sem resposta concreta. O ultra identitário não tem respostas, tem dogmas autistas, eu já sabia. As perguntas destinavam-se a marcar posição perante o impasse racista no Brasil, que só será quebrado quando ligarmos o combate antirracista aos outros combates contra as opressões, dominações e atrasos. 

Sobre África em si, notei uma tendência para  olharem África através do periodo colonial e seus símbolos, inclusive assimilando a sistemas políticos europeus as formas de poder existentes no continente africano antes da chegada desses mesmos europeus. África atual, seus problemas  e  pensadores foram largamente esquecidos. Intelectuais como Achille Mbembe ou Axel Kabou são simplesmente desconhecidos e a referência a  Kwame  A. Appiah foi de 3 ou 4 segundos e nem  sequer uma palavra sobre  seu livro"Cosmopolitismo", eixo central da sua trajetória. Se conhecessem Mbembe iriam ver algo parecido, designado por afropolitanismo, formulação nos antípodas dos ultra-identitários.
Gostei de participar no V SIALA. Para quem trabalha com economia e relações internacionais  foi uma novidade. E gostei  a ponto de, ao regressar, fazer esta postagem. O debate continua aberto.


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