APRENDI A JOGAR NA CADEIA!
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Fiquei preso bastante cedo.
Sem culpa formada, diga-se desde já.
Passei muitas noites acordado tentando recordar-me do que teria feito de mal.
A toda a hora me vinha à cabeça a mesma pergunta, "o que é que eu fiz?"
Mas não conseguia encontrar resposta.
Nunca encontrei.
Fiz mil vezes a mesma pergunta e nada, ninguém me respondeu!
Os anos foram passando sem que alguém me dissesse alguma coisa.
Nos primeiros tempos ainda chorei.
Chorei muito!
Punha cabeça debaixo da almofada, para ninguém ver e conseguir abafar o ruído do choro.
Ao fim de algumas horas, acabava por adormecer, cansado.
Cheguei até, a ter pena de mim próprio, o que é algo que me custa hoje, aceitar.
Mas é verdade.
Um dia, ao fim de uns seis anos de prisão, apareceu um médico, que tratava das minhas queixas e que, sem eu saber porquê, simpatizara comigo, para me dizer que eu devia ocupar o meu tempo, para suportar melhor aquela reclusão.
Foi então que, sentado na beira da minha cama, abriu um embrulho grande e tirou lá de dentro um tabuleiro e uma caixa.
Era um tabuleiro de Xadrez e a caixa com as respectivas peças.
Perguntou, "sabes jogar isto?"
Eu respondi que não, nem nunca tinha visto tal jogo.
Então ele propôs-se ensinar-me se eu aceitasse.
Sem qualquer ânimo, nem vontade para fazer qualquer coisa, não sei porquê, disse que sim. Aceitei a oferta.
Então aquele meu novo amigo, o médico, passou a ir ter comigo todos os dias, ou quase, para me ensinar a jogar.
Um dia levou-me um livro com as diversas "aberturas", "finais" e "meio-de-jogo" para eu ir estudando.
A partir de certa altura, comecei a achar interessante o jogo de Xadrez.
Afinal, havia alguma analogia com a minha situação.
Ao fim de alguns meses, o médico começou a interessar-se por jogar comigo.
Na verdade, a partir de certa altura, eu já ganhava alguns jogos e isso, deu maior interesse a ele, um apaixonado pelo Xadrez e a mim também, que começava a gostar de jogar.
Ao fim de nove anos de prisão, recebi a notícia que podia ir para casa.
Fiquei embaraçado. Embaraçado, não!, fiquei confuso, porque eu já considerava o meu quarto de reclusão, a minha casa.
Fiquei algum tempo sem saber o que fazer.
Sentia-me desamparado.
Vou para onde?
Não conhecia outro lugar.
De súbito, o médico apareceu sorridente no quarto e vinha com a minha mãe.
Encontraram-me com a cabeça deitada em cima dos braços a tentar perceber o que se estava a passar.
A minha Mãe, feliz, abraçou-me e disse-me que me vinha buscar e que eu iria viver com a família que me esperava em casa.
Tudo me soou a vazio.
Ali, aquele quarto, era a minha casa.
Foi ali que vivi desde os 5 anos até aos 14.
Foi ali que chorei com dores.
Que recebia a horas certas a visita das enfermeiras para me darem os medicamentos. Era ali tratado por todos e pela minha Mãe que sempre me acompanhou. Porquê ir para outra casa?
Foi então que o médico interrompeu o meu estado angustiado e, sentando-se ao meu lado, disse-me:
"Olha, parceiro, já sofreste demais aqui e é preciso dar fim a essa situação. Agora vais viver lá fora, vais poder fazer amigos, vais saber que o mundo não é só estas 4 paredes, nem estes corredores, nem este cheiro a medicamentos. O mundo é outro e tens direito a conhecê-lo. Tu já vais atrasado para muita coisa. Já não vais para a escola de meninos pequenos, já não podes voltar atrás para recuperar a tua infância, mas podes viver e, sobretudo, aprender a viver agora. Vai, vai lá para fora e apanha o Mundo pelos cornos, parceiro!"
Eu levantei lentamente a minha cabeça até cruzar os meus olhos com os do Médico e fixei-os. Após uns segundos de silêncio olhando-o, perguntei porque razão já não me queria tratar?
Ele sem fugir ao meu olhar mas agarrando-me nas mãos, como quem tenta salvar alguém de se afogar, disse-me muito simplesmente:
"Porque não tens cura, parceiro."
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João Pessoa
Poeta angolano
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